Como começar uma viagem de mochilão
- Bruna Ventre

- há 4 dias
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Tudo começou muito antes de eu imaginar que iria fazer um mochilão. Por mais que eu soubesse da vontade de viajar sem pausa desde bem pequena, eu nunca entendi como conseguiria concretizar isso em minha vida e nem como começar uma viagem de mochilão. Porém, acredito em lei de atração e acho que foi isso que aconteceu - eu mentalizei essa realidade, por muitos anos, e ela chegou.
Até princípios da pandemia eu vivia o auge da minha carreira em termos de afinidade com o trabalho e reconhecimento. Fazia poucos meses que tinha sido promovida para um cargo de liderança e, o que muitos não sabem, é que desde que comecei a trabalhar no mundo corporativo lá aos 15 anos de idade, eu olhava os líderes da empresa e sonhava em um dia também atuar como eles, desenvolvendo pessoas. Então defini uma meta a mim mesma que nunca contei a ninguém, nem sequer minha família - eu com 30 anos iria ter x salário e um cargo de liderança.
E fui trabalhando, estudando e traçando meus caminhos. Logo depois que completei 29 anos, fui promovida para a posição que tanto esperava - a de ser líder - e me lembrei deste objetivo que desenhei lá atrás e que agora estava se concretizando. Eu atingi então o cargo que queria e quanto ao salário, recebia 1 mil reais abaixo da meta estipulada, então não estava nada mal, pelo contrário, eu estava super contente com o resultado.
Não posso reclamar de nada dessa fase da minha vida, vivia um período em que me encontrava feliz em meu trabalho, em meu círculo familiar e de amigos. Um momento em que eu conseguia fazer coisas que naquele momento eram minha prioridade, como viajar às vezes, morar sozinha, também recém tinha terminado a pós graduação, ou seja, tudo estava seguindo conforme eu planejava e me sentia feliz.
Uma parte importante para dizer também é que por mais que eu amasse minha rotina, tinha consciência que ela estava um tanto descompensada porque mesmo que eu fosse ativa e conseguisse me fazer presente tanto na vida pessoal quanto na profissional, não refletia na qualidade dessa tal presença. O tempo demasiado que eu dedicava ao trabalho não era para ser visto como comum, mas em se tratar de uma cidade como São Paulo em que há um romantismo nos discursos de quem vive para o trabalho, isso acaba sendo normalizado.
Minha rotina era mais ou menos assim: eu ia para a academia de manhã, trabalhava ao longo do dia, à noite ficava em casa ou ia encontrar algum grupo de amigos quando não tinha que participar de eventos do trabalho à noite e aos finais de semana era a mesma coisa, eu equilibrava a vida pessoal com os eventos corporativos que precisava atender. Tudo isso mesclado com viagens à trabalho semanalmente que eu amava ter que ir em todas elas.
Vale ressaltar de novo o quanto eu acreditava em amar essa vida! Amava participar dos eventos da empresa porque eram espaços culturais, como peças de teatro, shows, festivais de música, etc, e eu sou apaixonada por tudo isso. Amava estar em volta de todas aquelas pessoas super interessantes onde construí uma família de amigos que levo até hoje em minha vida e que transformaram essa fase de pura correria, na experiência mais marcante e feliz que eu já tive trabalhando. Ou seja, era trabalho duro junto a entretenimento e a cereja do bolo eram as viagens. Pacote completo dos sonhos sem tirar nem pôr.
Quando era mais nova, eu olhava aquelas pessoas que viviam viajando a trabalho e queria um dia fazer o mesmo, na empresa que estava antes eu até viajava, mas ainda achava pouco. Foi então que mudei de empresa - não por esse motivo, claro - e aos 28 anos me tornei essa pessoa que viajava toda semana para algum canto do país, pensando que o que eu havia sonhado para minha vida no mundo corporativo quando tinha 15 anos, finalmente tinha virado realidade de um jeito ainda melhor do que planejei. E segui trabalhando, toda feliz e sem mais planos corporativos à frente. E aí chegou março de 2021, a pandemia.
Me lembro bem de como tudo aconteceu. Uma semana eu estava exausta e insanamente feliz ao mesmo tempo, trabalhando no carnaval de Salvador. Já na semana seguinte eu estava no escritório em meus últimos dias pré-férias, só fechando os relatórios da campanha de carnaval quando o CEO da empresa anunciou que todos deviam ir para casa dias antes do país inteiro decretar o mesmo. Lembro como se fosse hoje eu saindo do escritório tranquila, pensando que seria alguns dias e que logo estaria de férias rumo a minha viagem ao Quênia. Me recordo também de deixar várias coisas no armário da empresa sem fazer ideia que buscaria tudo ali muitos meses depois, só quando eu fosse me desligar por completo daquele ambiente que eu tanto era apaixonada em fazer parte e que, até então, essa possibilidade de sair nem sequer passava pela minha cabeça.
Chegou a pandemia e em meio a tantas novas adaptações, a primeira delas foi aceitar que a viagem de férias para realizar um trabalho voluntário em um orfanato com crianças na cidade de Nairóbi no Quênia, não iria acontecer. Cancelei a viagem e inclusive as férias, e segui trabalhando de casa mesmo ainda perdida do que fazer já que os eventos presenciais em que eu atuava não existiam mais. Entretanto, assim como aconteceu para tantas pessoas que não estavam na linha de frente, para mim este momento de pausa, de diminuir o ritmo, forçou um espaço que até então eu não obtinha - o momento de refletir sobre a minha vida, sobre mim.
Era natural vivermos no automático, fazermos coisas que a sociedade diz ser o certo sem nem refletirmos se é aquilo mesmo que queremos. Estudar, trabalhar, ser alguém - que forte não?! Como se quem não segue a fórmula pronta não fosse chegar a lugar nenhum. Foram nesses muitos tempos livres que eu nunca me dei antes, que comecei a indagar sobre áreas da minha vida onde a reflexão principal era: o que quero a partir daqui? Quais são meus sonhos? Lembrei então do sonho que idealizei logo que entrei no mercado corporativo e finalmente pude me felicitar por tê-lo atingido, uma vez que quando aconteceu eu me dei conta sim, porém não parei um tempo para refletir de fato sobre o que isso ainda representava para mim. Eu vivia correndo. Correndo para as coisas externas. Correndo para fugir de mim.
E não deu mais.
Não deu para evitar o que estava na minha frente, ou melhor, aqui dentro. Não deu para ignorar que eu tinha planejado a minha vida profissional até ali e que daquele momento em diante não tinha mais nada. Nada, nada. É aquela hora que a vida te coloca na parede e te força a ver coisas que você acha que não está preparada para enxergar, mas enfim, você está ali. Eu era somente uma menina de 15 anos com aquele olhar de adolescente que imaginava as pessoas de 30 anos como alguém velho e com a vida já toda definida. Talvez fosse assim na época dos nossos pais, mas agora era diferente. Eu estava para fazer 30 e além da minha vida cotidiana, em meus pensamentos não tinha nada definido.
Foi então que eu relembrei um outro sonho ainda mais antigo do que o da menina recém entrando no mercado de trabalho. O sonho agora era algo mais pessoal, o de viajar com uma mochila nas costas sem parar. Tudo bem que naquela época eu nem entendia o que significava fazer uma viagem assim e nem como começar uma viagem de mochilão. Inclusive, até mesmo no início da minha jornada na estrada eu não sabia como ele iria funcionar.
Mas este sonho ainda sem pé nem cabeça aconteceu mais ou menos assim: basicamente eu era uma criança de 5 anos que nem sequer entendia algo do mundo, mas que já tinha dentro de mim a vontade de conhecer o máximo que fosse possível deste espaço terreno em que vivemos e, para ajudar, eu dizia tudo isso a minha mãe - o que ela tampouco entendia e mesmo assim, me incentivava a brincar com minha imaginação. É aquele negócio, a gente pode não entender a princípio o que queremos, mas nossa alma sempre sabe de tudo sobre nós; ela sabe muito mais do que estamos conscientes para entender.
Texto escrito em 05/07/2023




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