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É hora de parar

Atualizado: 3 de dez.

Resolvi fazer as contas de quanto tempo faz que saí para mochilar e cheguei ao exato número de 2 anos, 4 meses e 12 dias perambulando por aí. Nesse tempo eu voltei sim pra casa em São Paulo algumas vezes, porém sempre com a certeza que seria de passagem e que estava ali para visitar a família e amigos, ir para casamentos de pessoas queridas ou até mesmo como uma parada para pegar o próximo voo.


Todas as passagens pela minha cidade natal foram com esse sentimento, de uma vírgula pela minha jornada de mochileira, mas nunca como um ponto final.


Eu acredito muito que a vida são eternos ciclos, onde os mais antigos se fecham para que novos possam se abrir. Quando a gente nasce é assim, tem o ciclo de engatinhar que se encerra para que possamos andar, depois aprendemos a falar, vamos pra escola, fazemos amigos e também nos frustramos com eles e assim, novos amigos surgem e um novo ciclo se inicia. Enfim, são eternos fins e recomeços e cada um com seu aprendizado.


Mochilar foi assim também, no começo era um sentimento de sonho realizado e de felicidade com tudo de novo que me aparecia. Eu tinha encerrado um ciclo importante com a forma em que vivia e iniciado outro totalmente diferente onde essa fonte enorme de novidades me deixava numa euforia para desbravar e conhecer tudo que fosse possível.


Quando iniciei na estrada, eu amava conversar com todo mundo, era extremamente curiosa para conhecer suas histórias, de onde vinham, como chegaram até ali, o que esperavam da vida. Aprendi em um hostel a fazer perguntas mais profundas e sair da superficialidade de um papo que geralmente se resume ao "quantos dias fica aqui?", "está gostando?", esse tipo de coisa.


Além de gostar muito de conversar, eu amava me movimentar e tinha disposição para ir em todas as atrações turísticas e/ou não turísticas que apareciam. Estar em movimento e vendo coisas era essencial para mim.


O tempo foi passando, passando, o primeiro ano se foi e eu tinha visitado muita coisa no Brasil, exatos 9 estados e muitas cidades. Explorado o nordeste e parte do norte do país, além do litoral do Rio de Janeiro. Também tinha ido para o México e Estados Unidos por 2 meses e o próximo passo seria explorar terras europeias.


Antes de chegar na Europa eu ainda viajei um pouco mais pelo Brasil indo desde o Rio Grande do Norte até a Amazônia. Foi uma viagem muito linda, inúmeras horas de estrada em ônibus e muita coisa incrível que vi por lá. Já na Europa eu percorri durante 10 meses outros 9 países e boa parte desse tempo passei em Barcelona trabalhando no verão para fazer dinheiro e depois seguir viajando.


Olhando para trás enquanto estava vivendo na Espanha deu pra sentir que o cansaço do mochilão estava chegando, porém ainda não entendia o que era aquilo e interpretava como uma inquietude de estar tanto tempo no mesmo lugar. Sentia falta de me movimentar, de ver coisas novas, com saudade da estrada.


Até que a temporada de fazer euros acabou e saí pra viajar novamente. No começo eu me sentia realizada, como se estar em um novo local vendo coisas novas me preenchesse. Porém, logo percebia que a felicidade de chegar em terras desconhecidas passava rapidamente e o sentimento de cansaço tomava conta. E a cada novo lugar o mesmo ciclo se repetia.


Vivia me questionando: porque me sinto assim? porque não me sinto animada como antes? porque não tenho interesse de conversar com as pessoas como antes? porque estou me isolando cada vez mais?


Quando saí da minha cabeça e comecei a compartilhar esse sentimento com as pessoas ao meu redor, percebi que é algo em comum que todo mochileiro que está a muito tempo vivendo dessa forma passa. É como se aquele ciclo que fazia total sentido quando comecei, agora não fizesse mais.


E doeu. Doeu muito reconhecer e aceitar isso.


Acredito que esse luto iniciou lá atrás em Barcelona e durou por 6 meses, onde me dei conta e finalmente entendi que meu tempo de estrada estava acabando.


Lembro de reconhecer isso pela primeira vez em uma sessão de terapia e caí aos prantos. De início um choro de tristeza, resistência e medo por encerrar um ciclo tão importante na minha vida. Logo em seguida, em questão de minutos, me veio um sentimento de imensa gratidão, realização e saudosismo por tudo que vivi.


É realmente bem difícil decidir quando parar. Assim como foi difícil decidir começar. Mas é como falei lá no início, são ciclos que se fecham para que novos possam surgir.


Aquele quarto compartilhado de hostel cheio de gente interessante pra eu conhecer, não me cabe mais, hoje eu sinto falta do meu espaço, da minha privacidade. Aquela geladeira com minha comida etiquetada também já não me serve, eu quero ter os meus temperos preferidos sempre ali. A disposição para conversar com pessoas novas em todo local que eu chego já se foi faz tempo, eu tendo a ficar na minha bolha com mais frequência.


Com o tempo, você se cansa de responder aquelas perguntas que antes pareciam tão empolgantes, "quanto tempo está viajando?", "por onde já passou?", "como faz para se manter na estrada?". Você conhece o roteiro de cor e salteado e, como antes, agora também está em busca do novo.


Depois de 864 dias de mochilão e passado o luto, eu agora consigo dizer que é o fim de um tempo lindo, especial e mais importante da minha vida. Tempo esse que aprendi mais que tudo, muito sobre mim. Aprendi o que gosto e muito do que não gosto, aprendi sobre limites, amizades à distância, amizades de estrada. Aprendi sobre culturas, idiomas, comidas locais, pessoas! Foi sem dúvidas um intensivão de Bruna, nunca me conheci tanto como me conheço hoje e esse foi meu maior presente.


Também, sou extremamente grata pelas felicidades que vivi, por tudo de novo que vi, pelas pessoas que conheci e ficaram até hoje, por aquelas que me desentendi, pelas tantas que só passaram e já se foram. Grata pelos diversos perrengues, dificuldades, aflições, medos, desesperos, ansiedades, sei que ainda tirarei muitas lições disso tudo.


Por toda energia que doei a esse tempo, de todo coração, hoje sinto que enchi muitos potinhos dentro de mim que ansiavam por essa vivência e agora há outros tantos potinhos que se esvaziaram e precisam da minha atenção.


Aquela rotina que me chateava da vida urbana, não me assusta mais, embora ainda não saiba se consigo me adaptar a ela novamente. Contudo, sempre lembremos: nada é definitivo, tudo são ciclos, e quando esse próximo "novo" também se encerrar, terão outras motivações esperando por mim. De momento, estou com saudades de casa.

3 comentários

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marcochillemi89
08 de fev. de 2023

There is nothing more mature and important in life then understanding ourselves and where our feelings, positive and negative too, come from. I'm sure one of the things you bring with you os exactly this wisdom and awareness that make you decide to listen to your heart instead of forcing it. This is the greatest lesson that traveling should teach us: never be in a place where you don't want to be. Alias...always be in the place where you feel you want to be. And if home is the place then there couldn't be a better place to return to in life: home, wherever this will be.

I am glad that all the choices you have made in your life,…

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edsania
07 de fev. de 2023

te conheço tão pouco e tardiamente. vi recentemente seus vídeos iniciando esse ciclo, me identifiquei com seus pensamentos e isso ascendeu em mim um chaminha por viver algo nesse sentido. ver agora o encerramento deste ciclo me motiva mais pois sabemos onde temos morada e que se precisar sabemos o caminho de volta. Obrigada por partilhar

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linhares.marcondes.aline
06 de fev. de 2023

Bru

te acompanho não é de hoje! Falo que vc teve uma experiência maravilhosa! O importante é saber começar e saber a hora de parar! Saiba que sou sua grande fã ! E o que precisar conte comigo ! Seja bem vinda a cidade de pedra novamente ! Agora mais sendo a titia babona ! Sou sua fã!

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