Maria tem esperanças
- Bruna Ventre

- 31 de mar. de 2023
- 4 min de leitura
Maria é uma mulher de meia idade, irmã de 4, sonhadora, de bom coração, que na juventude aprontava um pouco, se é que isso pode ser dito para uma menina que foi extremamente podada pela cultura da época e principalmente por sua mãe.
Ela sempre foi uma menina curiosa e aventureira, se deliciava na garupa das motos dos colegas que sua mãe tanto abominava. Era ousada em experimentar a moda dos cigarros no auge dos anos 80 que sua mãe nem imaginava. Era um coração de menina e uma alma inocente. Ela só queria brincar. E tudo, claro, feito muito bem escondido.
Maria amava o carinho do pai e sentia falta de um jeito mais amoroso na mãe. Logo mais tarde em sua vida, ela iria aprender que não era falta de adoração, mas a linguagem de amor de sua mãe era diferente da dela. Sua mãe não era do toque, porém da servidão.
Ainda cedo ela começaria seus namoricos de juventude, como eu disse, era uma garota curiosa pela vida. Porém, já no início da vida adulta teria uma paixão avassaladora, daquelas que cega, amarra o estômago, faz sentir que é possível morrer de amor. E esses relacionamentos a gente sabe como é, são intensos, em todas as suas camadas, por isso, no futuro, esse seria o companheiro com quem iria se casar e, 20 anos mais tarde, divorciar.
Maria cultivava muitos sonhos, ter uma casa, uma família, filhos, um conto de fadas para chamar de seu. O mais incrível é que tudo isso ela realizou e parecia feliz, só que o castelo era frágil e não sustentou as verdades da vida que continuava depois de um entusiasmante final de "felizes para sempre". Por isso, Maria começou a se encolher para caber no tal castelo e assim, já não ia mais trabalhar para agradar seu marido, não era mais tão vaidosa para não entristecer seu marido, não falava muito com os amigos para não enciumar seu marido. Maria achava que estava agradando, sendo a boa moça que sempre foi.
O que ela não percebeu é que estava se tornando uma pessoa infeliz, que não podia mais ser curiosa, nem aventureira, mesmo que tenha sido assim que ele a conheceu e a amou de princípio. Ela tinha perdido sua essência. Também não percebeu que todos seus bondosos esforços deixavam o castelo ainda mais frágil, por mais que ela o fizesse para o bem. Além dela precisar se acolher, agora também tinha que ser cuidadosa em onde pisar, pois seu solo já não era firme.
Mesmo assim Maria persistiu. Ela acreditava que uma família feliz era uma família reunida no mesmo teto, mesmo que esse casamento trouxesse dor; a ela, aos seus filhos.
Os anos se passaram, alguns vai e volta no relacionamento do casal, imensas agressões ela recebeu, físicas e emocionais, muitas delas presenciadas pelas crianças. Não dava mais. A separação finalmente veio com uma sensação de que nada de pior poderia acontecer, de que todos ali já tinham chegado ao mais fundo poço possível.
Mas Maria estava subestimando o destino, seu companheiro a deixou na rua com 2 crianças, sem casa, sem carro, sem trabalho, sem comida, sem nada. Afinal, quis separar pra quê?
E foi assim, que aquela Maria cheia de luz no começo de sua juventude, que tinha sonhos, que amava passear com os amigos, aprender coisas novas no trabalho, aprontar um pouco de vez em quando como todo bom ser humano, se viu em uma retrospectiva de vida que deve ter durado só alguns instantes, uns segundos de vida, porque por mais que estivesse doendo, ela estava ali com duas crianças pra cuidar. Um abandono de um pai, muito além de um marido.
Maria, como boa aventureira que é, reuniu suas forças quase nulas e com sua rede de apoio voltou à vida, se libertou da prisão, uma prisão de espaço-tempo, de liberdade, de ser quem se é. E como toda prisão veio o questionamento: quem me botou ali? O triste é perceber que ela própria foi quem se enclausurou, enfeitiçada para cair nas teias enganosas. Ela cedeu muito mais que a ele, ela cedeu a si mesma.
Os anos passaram, ele demorou a deixá-la em paz. Ainda hoje, quase 20 anos depois, ele ás vezes dá seu ar da graça, mas já não se intromete na vida dela como fazia logo que separaram. Foram anos tão difíceis quanto o casamento, ela lutou para conseguir que ele assinasse o divórcio e de fato fosse livre.
Agora Maria já é uma mulher forte, consciente de si, orgulhosa de sua história, realizada em suas vitórias. Ela é independente, gosta de sair pra dançar bolero assim como sua mãe fazia, é apaixonada por sua profissão, está sempre cercada de amigos e os faz com facilidade pelo seu jeito carismático e alegre de ser.
Maria está em sua melhor fase, ela conquistou o amor próprio e isso é lindo de ver. No auge de sua felicidade, uma nova paixão apareceu, só que dessa vez não tão avassaladora, ela já está mais consciente de si, de seus desejos e limites. Porém, Maria ainda sonha com um grande amor.
Ela sabe que passou boa parte da vida sentindo falta de um amor carinhoso através da mãe. Mais tarde, buscou encontrar esse amor nos homens, mas ele também não aconteceu. Foi quando percebeu que a braveza de sua mãe se estendia em seus relacionamentos, não era um amor calmo, terno, era uma rigidez que se traduzia em amor. Ou pelo menos era a forma como se era explicado esse tal amor que machuca.
Mas agora Maria já aprendeu um bocado com a vida, ela busca a paz de um amor tranquilo em suas tempestades, de um abraço forte durante as tormentas, de um segurar as mãos quando estiverem a derrapar. Maria ainda sonha e tem uma criança interior esperando esse momento. Ela torce para que o final feliz continue mesmo depois que o público vá embora. Maria pode estar caindo no buraco de novo, se perdendo de si e de suas riquezas. Contudo, ela não sabe, ela é realmente pura inocência. Maria tem esperanças.




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